Hospital de mentiras - Capítulo 6 - Campo minado

Hospital de mentiras - Capítulo 6 - Campo minado


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-Parece legal, porém ainda não entendi o que tem a ver comigo para você agir assim de repente.
-Você é muito semelhante ao homem de quem o pensador se refere, pura e inocente por natureza –Respondeu com um sorriso, ajeitando meu cabelo bagunçado gentilmente –Apenas fiquei surpreso por não ter percebido antes.
Observei o livro por alguns segundos, instigada a saber mais sobre este tal assunto. Será que eu sou mesmo assim? Não, talvez ele tenha se confundido.
-Eu posso ler? –Pedi impulsivamente, entretanto ao ver o espanto no olhar dele fiquei receosa, como se estivesse fazendo algo errado. Porém, sua expressão mudou para alegria enquanto me entregava o objeto.
O ato despertou em mim animação para devorar as palavras, então comecei imediatamente. Todavia foi mais difícil do que imaginei, pois, ao ler o primeiro parágrafo já não entendi nada.
Com o fracasso, virei para o Lysandre com um olhar triste o fazendo rir tirando sarro de mim, vagabundo.
-Não se preocupe, eu posso ler para você –Disse com um sorriso pegando de volta –Posso contar um pedaço da história dia após dia antes de dormir, o que acha?
-Adorei –Respondi alegre me ajeitando na cama, preparada para ouvir a história incrível e empolgante, conseguia sentir meus nervos agitando-se de animação.
Então ele começou, porém duas ou três páginas depois eu já estava em sono profundo.
Alguns dias depois, talvez quatro, Mary e Teddy vieram nos visitar para conversarmos, afinal os dois se distanciaram um pouco, como se criassem um mundo apenas para eles e vivessem ali. Entretanto não posso reclamar, eu e meu irmão não somos muito diferentes.
Nos sentamos na Praça Central todos juntos, colocar o assunto em dia. Conversamos sobre o treinamento rigoroso do exército deixando todos os colegas dela exaustos, a comida que tem sido cada vez mais racionalizada e até brincamos com as trocas de olhares envergonhados dos pombinhos, por que eles não conseguem simplesmente paquerar logo?
-Você ainda não lembra do seu passado? –Perguntei para puxar assunto, mas recebi uma negação, o que me fez ficar pensativa sobre a causa disso, não é normal coisas desse tipo acontecerem.
-Podemos tentar reverter, depois –Sugeriu Mary sorrindo e em resposta, o ruivo fez o mesmo.
À tarde, uma pessoa diferente nos trouxe o almoço e quando o vi, gelei completamente já sentindo o meu fim próximo, afinal qualquer adulto novo neste lugar significa algo muito ruim.
Algum ser humano abriu a porta e um dos guardas do Lado Esquerdo entrou segurando as duas bandejas. Sua expressão estava séria e parecia estar tranquilo em equilibrar aqueles montes de lixo fingindo ser comida.
Ao fechar a única saída que tínhamos, apenas nós três estávamos no quarto. Me inclinei para o lado procurando qualquer arma ou objeto que poderia nos machucar, mas não aparentava ter nada. Talvez isso seja pior ainda.
-Olá, meu nome é Richard –Se apresentou formalmente com um leve sorriso no rosto, porém este não parecia maldoso, como todos os outros –Vocês já me viram antes, quando eu era chefe do Lado Esquerdo, então fui promovido para tomar conta dessa área.
Troquei um olhar confuso com Lysandre enquanto ele discursava, por mais que parecesse bom e tenha nos ajudado, não é recomendado confiar em ninguém que possua o símbolo do acampamento –uma água de prata- estampado no peito.
-Você deve ser de confiança do Francis para ter sido promovido para esta parte, não que dar comida a dois pirralhos seja uma grande conquista... –Comentei desconfiada e recebi um pequeno e breve riso da parte dele.
-Eu mexi alguns pauzinhos, afinal precisava ter algum contato com vocês –O homem deu de ombros, como se fosse algo natural.
-Como assim? –Questionou meu irmão rapidamente, franzindo as sobrancelhas.
-Eu explico depois, agora precisam comer logo, não temos muito tempo –Respondeu tirando o prato que cobria a comida, revelando arroz, feijão e um bife para mim e macarrão ao alho e óleo na travessa do Lys.
Fiquei admirada, estava com tanta fome que nem hesitei, devorei os alimentos sem me preocupar com nenhuma consequência, e provavelmente meu doce companheiro pensou o mesmo, pois quando percebi seu prato já havia sido esvaziado.
Rapidamente ele pegou o que trouxe e saiu apenas nos dizendo um simpático e animado “Tchau”, e quando a porta se fechou, ficamos sozinhos novamente.
Sair do quarto seria algo desnecessário já que não tínhamos nada para fazer em 2 horas, pois este tempo entre o jantar e a hora de dormir eu já conseguia gastar apenas na fila para tomar banho no vestiário público.
Deitei na cama olhando o teto cinzento, era feio e espinheiro parecendo que iria desabar a qualquer instante. Porém, sua aparência terrível eventualmente despertava minha imaginação.
Lembro-me de fantasiar diversas vezes os espinhos se soltando e caindo sobre Stalon e seus guardas, algumas vezes eu também me incluía como alvo, mas em todas o Lysandre saía ileso.
Virei para a parede e vi o sangue seco nela, a alguns meses atrás um guarda bateu minha cabeça contra ela por ter sido insolente ele, me recordo de ter furado seu olho com o dedo depois disso, a partir desse acontecimento meu irmão começou a se certificar de que eu estava cortando as unhas semanalmente.
 Se não me engano, o homem que fez isso foi demitido recentemente por molestar uma garota de 15 anos do Lado Direito, ou foi por cortar a mão de um garoto com a enxada? Não devo ter gravado a informação muito bem.
Observei o quarto, as memórias e os traumas aqui vividos.
Será que vamos morrer aqui? Seremos envenenados com a comida ou espancados até não restar mais nada? Talvez nos levem para um laboratório e usem algo químico para nos matar. Parando para pensar tudo neste local pode ser usado para acabar conosco, a única escolha que temos é esperar o fim.
Quando penso nisso, me imagino em um campo minado, onde qualquer erro grave demais ou até um deslize sem querer pode significar a morte, e o mais doloroso nisso é que se acontecer, terei levado outra vida comigo.
Observei meu irmão arrumar seus livros debaixo do colchão, o principal objetivo que tenho neste mundo é protege-lo, mesmo estando na corda bamba o tempo todo, eu não posso permitir qualquer atrocidade que venha acontecer a ele.
Com esta incerteza constante de não saber se no próximo dia irei acordar novamente, fica cada vez mais difícil continuar vivendo e o Lysandre é meu porto seguro, sem o meu obcecado por livros e estudos, eu não sou nada. E por isso vou dar a minha vida se for preciso para vê-lo bem.
De repente ele levantou e caminhou até mim com um sorriso aberto, as mãos atrás das costas e os olhos brilhando de animação.
-Fecha os olhos e estende as mãos –Mandou, e assim eu fiz ansiosa para saber o que o moreno estava planejando.


Senti um peso grande e olhei para descobrir o que era, vi um enorme e grosso livro, a capa dura era azul e velha, as páginas já amareladas pelo tempo.
-Uma enciclopédia, não foi muito fácil de achar e nem tão barato quanto eu gostaria, mas eu sei que vai gostar –Comentou alegre –A primeira de todas foi escrita na época iluminista, onde reuniram os conhecimentos de diversos filósofos em um livro.

Sorri fascinada, o abracei com força agradecendo, surpresa pelo presente e muito feliz. Passei a madrugada lendo, e sem perceber acabei amando aprender o que estava ali.

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