Hospital de mentiras - Capítulo 5 -A sociedade corrompe

Hospital de Mentiras - Capítulo 5 - A sociedade corrompe


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Lysandre me levou para a enfermaria mesmo que contra a minha vontade. O lugar era bonito, limpo e organizado, pelo menos a maioria.
A parte na qual me colocaram era envolta de lixo, caixões transbordando resíduos hospitalares descartáveis, seringas, algodão com sangue, curativos usados, tudo isso e mais um pouco jogado em qualquer lugar, onde o seu destino final era o chão.
Enquanto me remendavam, meu irmão não soltou minha mão nem por um segundo, com o olhar preocupado e ao mesmo tempo tentando parecer sereno para me relaxar.
E depois, quando eu apenas descansava, ele também estava lá. Foi quando ouvimos uma conversa de algumas crianças também machucadas.
-Meu aniversário foi ontem, agora só falta 5 anos para conseguir 18! Você acha que vai demorar muito? –Perguntou um menino moreno para um outro ruivo.
-Eu não sei... parece muita coisa –Comentou, talvez mais para si mesmo do que para seu amigo.
-Que nada! Vai passar super-rápido e então vou sair daqui e encontrar meus pais! Aí quem sabe eu venha te buscar também no carrão incrível que eu vou ter –Comentou fingindo dirigir um carro invisível, se animando com a fantasia criada.
O observei por alguns instantes, o brilho no olhar dele por conversar sobre seu futuro era contagiante. Parando para pensar, eu nunca refleti no que fazer assim que completar 18 anos, porque crianças as quais viram adultos desaparecem, não sabemos para onde vão.
Talvez sejam transferidos para outro lugar, ou quem sabe vivam uma vida boa, se precisasse escolher como seria daqui para frente, não saberia nem como fantasiar algo desejável, afinal nunca precisei meditar sobre o meu destino.
Será que acabarei sozinha? Se nunca pensei sobre o futuro, então talvez ele não exista? Fantasiar nossas próximas conquistas, ações ou relações é normal pois há em nós a vontade de mudar o presente, mas, e quando não temos nem esta esperança?
Acho que nunca senti a necessidade de fantasiar o que virá, pois havia em mim a certeza de estar morta a muito tempo.
Vendo minha tristeza, Lysandre sugeriu de irmos ao parquinho, mesmo que estivesse em construção ainda, conseguiríamos nos divertir.
Então fugimos dali, não era como se as enfermeiras se importassem com a minha estadia, caminhamos até o espaço que ficava perto da saída e sentamos em um monte feito de areia.
Por mais que os outros tentem nos ignorar, os guardas não perdem uma única chance de nos pegar e bater quando estamos fazendo algo de errado ou proibido.
Brincar nos brinquedos ainda não terminados era vetado às crianças por questões de segurança, não deveríamos pisar ali, mas lá estávamos.
Meu irmão tentou puxar conversa, porém eu me encontrava longe, perdida em pensamentos, reflexões que na verdade nunca havia feito antes.
Ficamos em silêncio, parados olhando as estrelas luminosas no céu, as sombras terríveis da noite na terra e o frio individual das partículas debaixo do chão.
Foi então que vimos um guarda caminhando ao longe, entretanto em nossa direção, não parecia ter nos percebido de primeira logo segurei a mão de Lysandre com o corpo imóvel.
O homem era bruto, grande e musculoso, carregava um tapete e toda a sua atenção estava concentrada em não o deixar escorregar. O brilho do lugar era baixo, cobria seu rosto e o desenho do objeto de decoração.
Ele passou reto sem notar que era observado, andando em direção a saída, o enfeite agora na luz aparentava estar em ótimas condições, para onde será que iriam leva-lo?
Depois de não ser visto mais pude finalmente relaxar, porém o assunto morreu ali, nenhum de nós queria comentar o destino de um simples tapete, algo tão trivial.
Após um tempo, voltamos ao quarto onde o jantar ainda intacto era recusado até pelas moscas, mas era comer a gosma ou morrer de fome.
Diferente do Lysandre, eu não gostava de depender dos outros para me trazer comida, além do que já necessitávamos. Nunca sabemos quem pode nos deixar na mão eventualmente.
À noite, permaneci na cama olhando o teto, tentando imaginar meu futuro incerto enquanto o moreno fazia-me companhia no colchão, lendo.
-Sempre estaremos juntos né? –Perguntei rompendo o silêncio e recebi um “Sim” em um tom distraído, era obvio que ele estava concentrado no livro.
-Quando pudermos sair daqui, vamos viver juntos... só nós dois como sempre foi –Sugeri em voz baixa, pois era isso que os outros faziam, certo?
-Andy, por que está pensando nisso agora? –Perguntou desconfiado, porém assim que olhou para mim pareceu ter congelado por um instante, surpreso.
De repente, alternou sua atenção entre o livro e eu duas vezes, como se nos comparasse de alguma forma, estranhamente.
Misteriosamente, sorriu e me abraçou apertado, com movimentos cheios de carinho e um amor despertado do nada. Não eram atitudes impulsivas, estavam muito mais perto de algo inteligente, um pensamento que apenas ele, entre nós dois, entendia.
-Eu também amo abraços e tal, mas não estou entendendo nada –Comentei rindo fraco envolvida em seus braços e quando fui solta, observei-o curiosa para saber o que passava pela mente do meu irmão.
-Sabe que estou relendo este livro, não é? Bom, é difícil explicar, mas a época que ele foi escrito estava na moda uma teoria de um filósofo chamado Rousseau –Explicou devagar enquanto eu tentava acompanhar –Ele dizia que o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe, e está história retrata muito bem isso.
Me esforcei a entender, e por mais que parecesse um assunto um pouco confuso, era curioso e pela primeira vez senti uma pontada de vontade a aprender profundamente sobre isso.
-Parece legal, porém ainda não entendi o que tem a ver comigo para você agir assim de repente.

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