Hospital de Mentiras - Capítulo 2 - Sangue escarlate

Hospital de Mentiras - Capítulo 2 - Sangue Escarlate


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Estávamos na cama nos recuperando da noite passada, enquanto eu agonizava pelas dores nas costas, meu irmão parecia nem perceber o desconforto de tão concentrado em seu livro sobre algum assunto desinteressante.
Por mais que ele seja certinho, um dos seus maiores prazeres é participar de um contrabando aqui no acampamento. O esquema é o seguinte, um faxineiro traz vários livros de fora e distribui para quem se interessar já que estes são proibidos aqui, as vezes me pergunto qual o preço disso.
Olhei embaixo do colchão e vi as carnes do jantar escondidas dentro de um saco de lixo um pouco entreaberto, espero que ele jogue os restos fora antes que comece a feder.
Inesperadamente Mary entrou pela porta acompanhada de um garoto ruivo e baixo, parecia surpreso e envergonhado ao nos ver, uma reação completamente compreensível devido ao nosso boato espalhado e uma regra que impede os outros de falarem conosco, vamos concordar.
-Gente! Eu encontrei ele caído e perdido perto da sala do diretor, podemos ficar com ele? –Perguntou animada puxando-o para dentro.
-Eu nunca o vi aqui, é novato? –Perguntei me endireitando para vê-lo melhor, porém virei meu corpo bem pouco por conta da dor.
-Como poderia? Deve ter a nossa idade –Respondeu Lys em oposição analisando-o como se fosse um experimento que tentávamos entender, por um momento até me senti como os justiceiros.
Por mais que tenha sido um pouco errado ter tratado ele desse jeito no início, foi inevitável, sempre ansiamos por novidades e o moço com certeza era uma.
-Eu não sei dizer, não consigo lembrar desse lugar, mas também não me recordo de nada –Comentou constrangido por receber nossos olhares analíticos e de certa forma, julgadores.
-Como assim? Não tem memórias? –Questionou meu irmão sério, com os cabelos negros quase caindo sobre seu olhinho esquerdo, o azul.
-Apenas de acordar na grama do lado de uma construção bem grande, quase monumental –Explicou fazendo gestos.
-Podemos ficar com ele? Sabe, a gente é o clube isolado, por que não afundar mais um? –Sugeriu a morena quase dando saltos de excitação.
-Bora! –Me animei batendo palmas ignorando a pulsação dolorosa pelas minhas costas se expandindo como um dominó do ombro até o final dela.
Lysandre suspirou e assentiu lentamente rendendo-se ao nosso entusiasmo, o garoto ruivo se apresentou como Teddy e nós quatro nos divertimos com uma boa conversa até o almoço.
De tarde, fui caminhar com Mary enquanto passávamos pela praça principal do Lado Esquerdo, um dos guardas colou um grande anuncio na parede amarela do pilar feito especialmente para anunciar as noticiais mensais.
No acampamento existem três regiões bem vastas, o Lado Direito, o Central e o Lado Esquerdo, cada um diferenciado por suas características, mas todos têm sua praça principal servindo de lugar de conversa para nosso grupo, cada semana variamos de paisagem mudando de extensão.
Onde nós estávamos, situava-se as salas de trabalho, feitas especialmente para abrigar os experimentos e atividades usando conhecimento prático e teórico, em outras palavras, textos e explosões junto com produção de produtos de limpeza, fabricação de objetos de madeira e aço somado à criação de novas mercadorias. Lá também reside quem pratica tais atos.
No Central encontramos as maiores estruturas e mais bem-feitas, como o refeitório, a casa da direção, casa da administração, o barranco ou Coliseu, uma enfermaria recém feita, um parquinho em construção e a praça do Centro usada muitas vezes para eventos ou anúncios importantes. Nenhum acampado mora nessa subdivisão a não ser os irmãos Stronger.
No Lado Direito, o trabalho do campo é exercido, sua extensão é praticamente só fazendas enormes que vão até o fundo do Central, plantações realmente magníficas e cuidadas com muito carinho e zelo pelas crianças que ali habitam.
Mas voltando, quando nos aproximamos do papel, era possível ler as letras grandes da convocação para uma nova ocupação, o treinamento do exército.
-Alistamento? Isso parece divertido! –Comentou Mary sorrindo animada com a ideia, logo escrevendo seu nome e o número do dormitório impulsivamente, como de costume.
-Tem certeza? –Perguntei receosa olhando o panfleto com um pressentimento estranho, um quase arrepio, tão inusitado não consegui saber se era bom ou ruim.
-Qual é! Vai ser legal aprender a lutar e nos defender... se precisarmos –Respondeu forçando um sorriso maior como se dissesse algo casual ou descontraído que não merecesse atenção. É sério que ela acha que vou engolir isso?
Por mais que todos fossemos amigos, era claro que tínhamos segredos só nossos, estes que achamos justo morrer conosco no túmulo, mas somos adolescentes, é obvio que não vão. Alguma hora isso vai vir à tona, querendo ou não.
-Tudo bem, você decide –Disse retribuindo a mesma cortesia desonesta e voltando a caminhar com a garota, dando uma última olhada pôr fim ao anuncio, incomodada.
De noite peguei minhas coisas e caminhei junto ao Lys para o Lado Esquerdo, onde a Luana mora. Como foi combinado a algumas horas atrás, iríamos dormir lá para que a loira pudesse ver nossas feridas nas costas, para não infeccionar ou algo assim.
Depois de um tempo de caminhada, corrida e esconderijo para não sermos pegos pelos guardas, chegamos ofegantes em frente a porta. Me apoiei nas costelas do moreno enquanto ele batia na madeira levemente a fim de chamar o mínimo de atenção possível.
O final do dia acabou sendo bem agradável, conversamos, rimos e comemos um pouco de comida furtada da cozinha só para nós, não é uma gracinha?
Só que de manhã, quando estávamos arrumando as malas, Luana se aproximou de um pilar de meio metro branco, a parte de cima mais arredondada e com um vidro protegendo uma agulha estranha apontada para cima.
-O que é isso? Não tem no nosso quarto –Comentei curiosa andando até lá também, analisando e tentando entender o objeto –Parece que o cilindro tem uma linguinha.
-Não, isso na verdade é uma injeção, não conseguimos sair sem isso de manhã –Explicou dando de ombros –Nos dizem que é feita com substâncias próprias para nosso organismo, feita para curar nossas doenças –Assim que tive a resposta, me desinteressei por aquilo e voltei a colocar a roupa dentro da sacola.
-Interessante, por que será que não temos isso? –Questionou Lysandre com o olhar brilhante, viajando novamente em suas ideias e imaginações para esclarecer a si mesmo, algo desnecessário.
Colocando a tralha no ombro, reclamei da demora e disse que deveríamos ir embora logo, antes de notarem nossa ausência, porém foi tarde demais. No mesmo momento, alguém bateu na porta brutalmente, haviam nos encontrado no lugar que não deveríamos estar. Olhei pela janela e vi três guardas esperando do outro lado, armados.
-Guardas –Sussurrei baixinho puxando meu irmão para nos escondermos, ele debaixo da cama e eu encolhida no armário enquanto a Luana se desfazia dos nossos pertences em algum lugar não visível.
-Abram a porta logo! –Exigiram, fechei a chapa de aço e olhei o breu misturado com roupas e acessórios, agora o que me resta é só torcer para tudo dar certo.
Não demorou muito tempo para que passos pesados marchassem sobre o chão de metal, feito de algum material ruidoso e frio.
-Uma denúncia anônima foi feita, viram pessoas entrando aqui durante a noite –Explicou uma voz masculina mais rouca do que o normal. Mais sons ecoaram pelo quarto, agora aproximando-se de nós.
Meu coração disparou com o perigo iminente, embora me preocupasse em não fazer barulho, minha respiração acabou tornando-se ofegante e pesada. Para melhorar, senti minhas feridas abrirem e o sangue escarlate descer pelas costas.
-Posso garantir que passei a madrugada inteira sozinha, senhores... Ei, não encontrarão nada demais por aí –Comentou Luana, em um tom levemente desesperado, isso confirmava minhas suspeitas de que eles estavam perto.
Com a possibilidade de ser pega crescendo a cada segundo, o pânico tomou conta de mim e advinha o que aconteceu? O fluxo de sangue aumentou, maravilha!
Causado pelo desespero, comecei a puxar o ar sentindo falta de oxigênio, de repente a única coisa que rodava minha mente era fugir dali imediatamente. Até que uma luz invadiu meu pequeno esconderijo, alguém havia aberto as portas, e este não é nada menos do que o Chefe da guarda do Lado Esquerdo.
Um homem jovem, esguio e de cabelos negros e íris castanhas, uma carinha mais fofa do que de dar medo.
Olhei em seus olhos grandes, pronta para saltar em cima, mesmo que um pouco debilitada, se me encontraram com certeza irão supor a presença do Lysandre ali. Entretanto, nenhum dos dois fez nada além de encarar o outro.
-Achou algo? –Um outro guarda perguntou se aproximando, todavia não pude ver quem era devido o chefe fechar-me ali rapidamente –O que é isto saindo?

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